Por onde começar uma viagem? E quem serei eu? Falante?
Quieto? Estilo sério? Polido? Informal? Piadista?
Passo por Santana, avenida Santos Dumont, Tiradentes. Acho
que no Bom Retiro vai rolar uma chamada! Nada! OK, calma, calma, aumenta o som.
A rádio está te ajudando e botando rock dos bons. Anhangabaú, 23 de Maio.
Hospital Beneficência Portuguesa... Estou perto do Shopping Paulista e nada!
Centro Cultural Vergueiro, Ibirapuera, agora vai! Nada! Cacete, será que eu fiz
tudo certo com o aplicativo? Será que eu fiz as coisas direitinho? Enfim, segue
o caminho porque você tem que ir fazer uma visita lá na zona sul de qualquer
jeito mesmo. Então, respira, fica tranquilo. Se não fiz direito descobre quando
chegar em casa!
Avenida Indianópolis, Moema, nada! Deve ser porque estou em
uma avenida expressa, só pode...
Merda! Caralho! Putaquepariu! O celular está fazendo um barulho
novo, um som de radar, tem até um símbolo de radar apitando. Putz! É minha
primeira viagem! Deixa eu sair da via expressa, entrar à direita e ver
exatamente como fazer com esse aplicativo. Paro o carro, descubro que o
aplicativo é fácil de mexer. Pronto, agora é só seguir o Waze e partir. E torcer
para que a corrida seja curta, fácil, tranquila e.... o telefone começa a
tocar! Número que nunca vi na vida. Pronto, já fiz merda e o passageiro está
ligando!
“Oi, Dani?”
“Isso, bom dia...” Eu esqueci de ver o nome dele, eu não sei
o nome dele, que juvenil!!!
“É que não estou no endereço que apareceu para você.”
Pronto, agora o mundo quer me foder mesmo. Fodeu! Sério, em
menos de meio segundo você consegue pensar isso. Ao menos, eu consigo.
“Estou no aeroporto no lugar onde vocês sempre me pegam.”
Como explicar que era a minha primeira corrida e eu não faço
nem ideia do modo escondido de se pegar passageiros no aeroporto.
“Bom, é que não sei onde é. Nunca peguei ninguém aí.”
“Não?”
“Não, o senhor se importaria em explicar?”
Ele me explicou onde fica para escapar de taxistas nervosos.
Agora, alcanço ele, ajudo a botar as malas no porta-malas,
ofereço bala, água e coca. Prefiro não dizer que é aquela não é somente a
primeira corrida da manhã, do dia. Era a primeira da vida!
“Coca? Essa é nova! Normalmente é só água”
Sigo o padrão dos demais motoristas. Pergunto se posso
seguir o waze e pergunto se o endereço é o mesmo cadastrado. Ele diz que sim.
Leio o nome da rua. Vejo que não é muito perto, mas pelo nome sei que fica no
bairro de Santa Cecília. Ufa, eu conheço... Não, péra! O nome da rua é o mesmo,
mas fica em Santo André!
Sério, qual parte que o universo não entendeu que eu queria
uma corrida simples, rápida e em um lugar conhecido? Não podia ser Moema? Não
podia ser na avenida Indianópolis? Sabe quantas vezes eu fui para Santo André?
Zero!
Mas o Waze tudo sabe! Uma bênção, senhor, ao criador do
Waze, que está logo abaixo do inventor do ar condicionado. Porque se com o Waze
você chega em qualquer lugar, com ar condicionado ligado você nem liga muito se
não chegar.
A corrida dura imensos trinta minutos. 20 quilômetros
intermináveis. Nada contra o passageiro, que se mostrou educado, conversou
pouco e perto do local pediu para eu entrar uma rua antes daquela mostrada pela
Waze. Ou seja, achei tudo muito bom. Mas eu, naquele momento, havia casado com
a Sra. Tensão.
No destino, lembrei de finalizar a corrida assim que ele
deixou o carro. Ajudei com as malas, agradeci, entrei no carro e me dei conta
que eu realmente precisava mijar. Agora, o estômago percebera que não tinha
mais volta, mas ele mandou mensagem via canal urinário. Mas antes de fazer
xixi, deixa eu voltar para São Paulo.
Mas alguém lembrou de desligar o Uber?
O radar apitou de novo. E o pedido da corrida era dentro de
Santo André! Putaquepariu! Por favor, que a cliente, a dona Margarida, peça
para ir para São Paulo. Não, acredite, até esse momento eu não estava
preocupado com ganhos. Só queria voltar para onde eu conhecesse um pouco.
Encontro com a dona Margarida que pede para ir ao shopping
da cidade.
“Mas não é pela entrada principal, pode ser pela lateral”
Ah, claro. Não faço ideia nem o nome do shopping, nem qual é
a entrada principal e muito menos a lateral.
“Posso seguir o Waze até um pedaço e a senhora me explica o
caminho? Porque eu realmente não conheço nada por aqui”
Dona Margarida se mostra solícita ao quadrado. Pergunto se
ela quer bala, água, coca. Ela aceita a água sem pestanejar. E posso dizer que
valeu a pena essa água. Ela bebeu com uma vontade que deu gosto. Em dez
segundos acabou com a garrafa de meio litro. Devolveu a garrafa para eu jogar
no lixo.
Pronto, mais uma cliente satisfeita!
Agora é sério. Eu realmente preciso ir na zona sul (de São
Paulo!) e fazer xixi. Mas não nessa ordem. Desligo o Uber pelo bem geral da
nação. Dirigir com vontade de mijar é pior do que qualquer coisa.
Agora, onde? Nada como viajar com uma mulher que a cada 90
minutos precisa fazer xixi. Assim, você aprende a encontrar rapidamente Mcdonalds,
Starbucks da vida. Mas quando se está de carro, é preciso achar também lugar
para estacionar. Ah, obrigado aos Extras e Carrefoures, essas bênçãos nada
divinas no meio do caminho!
Sem água acumulada, vamos ligar novamente o Uber. Para onde
vou? Bem, vou em direção a minha casa. Se não pintar nada, parto para o almoço.
Aeroporto, Moema, Ibirapuera... nada!
Centro Cultural Vergueiro, hospitais, centro, Anhangabaú e
nada! Ops, lá vem o caralho do radar apitando na porra do celular.
Agora, é só torcer para eles estarem indo para a Zona Norte.
Chego no endereço e cadê o cliente?
“Aguarde o passageiro. Ele já foi comunicado”, diz a
mensagem no meu celular. OK, ok, entendi. E não vou ligar para ele. É o que
recomenda a Uber. Aguardo bem pouco e vem o novo passageiro. Agora acompanhado
de três pessoas e uma cerveja na mão.
“Você gostaria que eu seguisse o Waze?”
“Não, o caminho eu sei. É depois da Faria Lima. Pega a 23, o
túnel e depois de atravessar a Faria Lima eu te explico”
“Ótimo”
No caminho, o quarteto conversa entre eles. Tenho que
lembrar de permanecer quieto. Estão no meu carro, mas a regra não é minha. Estou
levando eles onde querem, mas eu só sou um robô com licença para dirigir.
Preciso de lembrar de falar só quando for o desejo do cliente. Me seguro e
consigo obter sucesso.
Mas o sonho de a corrida ser para a Zona Norte não só não foi
atendido como fui para mais longe novamente. Tudo bem, ao menos os quatro foram
educados, conversaram bastante e a corrida correu tranquila.
Então, parto para retornar para a Zona Norte. O Waze indica
a JK. Resolvo ir pela 9 de Julho. E vem mais uma chamada. E mais uma vez espero
educadamente o passageiro. E ele não vem sozinho novamente. Vem com mais três pessoas
e quatro malas! Quatro! E das grandes.
“Eu pedi um carro grande”
“Posso tentar botar dentro do carro. Mas quantas pessoas
irão no carro?”
“Só meu pai e minha mãe”
Ufa, então vai caber. Mas uma mala vai no banco da frente.
“Mas se o senhor quiser chamar um outro carro maior que eu
aguardo”
“Não, pode ser esse mesmo”
Todos e tudo para dentro do carro. Posso seguir o Waze que
parte em direção ao aeroporto de Congonhas.
A mãe do rapaz é de uma simpatia ímpar. Puxa assunto,
pergunta o que faço, se trabalho muitas horas como Uber, se estou curtindo, o
que achava das eleições americanas...
Era uma cilada. Eu caí nela, mas ao menos dei sorte.
Respondi que torcia pela Hillary para só depois ver a besteira.
“Ops, sei que é um assunto delicado. Tinha que saber
primeiro se vocês são democratas ou republicanos”
Ela ri, mas diz que é democrata. E ele? Ele não responde,
mora faz tempo nos EUA, mas é carioca.
“Ah, então é Flameeeeengo”, eu digo. Sério, algumas vezes eu
preciso aprender a calar a boca.
Ela dá risada. Ele dá um sorriso amarelo. Enfim, a corrida
está longe de ser longa.
E fim do primeiro dia. Se uma viagem começa no
aeroporto, ela termina no aeroporto.